18/08/2025

Teletrabalho/home office precisa ser regulamentado?

SITE JOTA - Por EDUARDO PASTORE

É fato o rápido enraizamento do teletrabalho/home office nas relações trabalhistas durante este ano de 2020. A procura pelas regras e orientações a respeito desta modalidade de trabalho foi surpreendente, principalmente pela emergencial necessidade de as empresas terem de direcionar alguns de seus trabalhadores (gestante, idosos, pessoas em situação de pós-operatório) para o trabalho remoto, a fim de reduzir os riscos de contaminação da doença por coronavírus (covid-19) – afinal, saúde em primeiro lugar. Não podemos deixar de mencionar, como consultores em relações trabalhistas, que fomos surpreendidos pela demanda de orientações sobre o tema.

E mais surpresos ainda ficamos ao perceber o quanto as pessoas que lidam com as relações laborais e sindicais não conseguem utilizar os instrumentos que a consolidação trabalhista já trazem para acomodar as situações jurídicas existentes entre empregado e empregadores. Com base neste desconhecimento, surgem movimentos legislativos para aprimorar o que não precisa (em rápida consulta na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, por exemplo, é possível identificar mais de uma dúzia de projetos de leis que tratam da regulamentação do home office). Todavia, não se pode dar tanto espaço para isso, eis que, em verdade, o que falta é orientação à sociedade, e não mais leis pautadas em uma situação emergencial e temporária, que se espera que logo seja superada. As bases legais que nos levam ao entendimento de que a regulamentação do teletrabalho não é necessária, portanto, encontram-se na própria Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), notadamente nos arts. 6º, 62, III, 75-A a 75-E.

Inicialmente, com o objetivo de regulamentar a questão, foi editada, no ano de 2011, a Lei 11.551, que alterou o artigo 6º da CLT, buscando disciplinar esta modalidade de trabalho, dispondo que não existe distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

E, ainda, que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Recentemente, a Lei 13.467/2017 introduziu regras voltadas ao teletrabalho/home office no capítulo II-A, “Do Teletrabalho”, da CLT, conduzindo os atores sociais, empregado e empregador, a explorarem os seus itens em regulamentos empresariais, termos de responsabilidade, entre outros compromissos e regras específicas.

A esse exemplo, o artigo 75-B da CLT define o teletrabalho como sendo “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Ou seja, estabelece os parâmetros geográficos para o teletrabalho, bem como o que o caracteriza sua prestação de serviços e o diferencia do trabalho externo. Contudo, é obrigatório o comparecimento à sede do empregador, e tal fato desvirtua o home office?

Não. O mesmo artigo acima citado em seu parágrafo único não dá esta resposta, ao esclarecer que o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho. Na verdade, explicita que o empregado pode comparecer presencialmente nas dependências do seu empregador, sem que este ato descaracterize o teletrabalho. Um aditivo contratual, por exemplo, coloca uma “pá de cal” em dúvidas como essa. O próximo dispositivo da CLT sobre o teletrabalho, vale destacar, reforça a necessidade (o que é o bastante) de que a modalidade de teletabalho seja inserida em contrato laboral.

Nesse sentido, o artigo 75-C informa que a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual laboral, que especificará as atividades a serem realizadas pelo empregado. Ou seja, determina que as partes, empregadores e empregados, escrevam no contrato como será a modalidade do teletrabalho e o período de transitoriedade (15 dias), podendo aí ser inseridas as demais regras e obrigações legais das partes, tal como a possibilidade de alteração entre os regimes presencial e de teletrabalho.

Diante disso, as regras da volta aos trabalhos presencial e o remoto devem ser negociadas e adicionadas aos contratos individuais laborais. Estes são um instrumento muito importante para as empresas fazerem provas, caso acionadas judicialmente. Não se pode ficar no “boca a boca”; regras trabalhistas, orientamos, devem constar em contrato individual, regulamento empresarial e, quando omissos estes instrumentos, em acordos ou Convenções Coletivas de Trabalho (CCTs).

As empresas dificilmente encontrarão em documentos coletivos, por exemplo, quais equipamentos tecnológicos são adequados à prestação do trabalho remoto e os valores indicados como aproximados ao desembolso de despesas, pois esta identificação é feita caso a caso, no chão de fábrica e de acordo com peculiares próprias. Projetos de leis (PLs) ou recomendações que procurem regulamentar estes itens, em vez de trazer segurança jurídica aos empresários, em verdade, generalizam a questão e não se atentam ao que cada empregador pode aplicar.

E como  evitar doenças e acidentes de trabalho?

É preciso lembrar, por oportuno, que a CLT é obrigatória não somente aos empregadores, vez que os empregados também estão obrigados a seguir a ordens legais que tenham respaldo em referido consolidado. Assim, para se evitar ou mitigar a ocorrência de doenças e acidentes no home office, compete ao empregador, com amparo no art. 75-E, determinar a obediência às normas de ordem pública, que deve ser necessariamente em formato expresso, e, ao empregado, por sua vez, cabe observá-las. Se os empregados não seguirem as orientações, cometem atos faltosos a teor do que estabelece o art. 158, da CLT.

Dizer, portanto, que o teletrabalho não está devidamente regulamentado é desconsiderar o ordenamento jurídico que estabeleceu regras objetivas sobre o tema, cabendo aos empregadores direcionarem os contratos existentes aos itens necessários ao teletrabalho.

Ainda que se considere o argumento daqueles que dizem que o teletrabalho traz insegurança jurídica, uma vez que suas regras não estão claras, em verdade, os contratos individuais, os regulamentos empresariais e os acordos ou CCTs são os instrumentos que podem (e devem) enfrentar o tema. Relativamente ao papel dos sindicatos, o artigo 611-A da CLT, modificado pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), serve justamente para que dúvidas, inseguranças e entendimentos conflitantes sobre o teletrabalho sejam dirimidos mediante convenções coletivas, por exemplo, permitindo, com isso, que a insegurança jurídica seja mitigada, sem que se recorra à elaboração de leis para regular leis.

Quanto ao controle de jornada, tema este recorrente para justificar leis limitando a jornada do teletrabalhador, o artigo 62 e os incisos da CLT dispõem que “não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: (Redação dada pela Lei 8.966, de 27 de dezembro de 1994): III – os empregados em regime de teletrabalho. (Incluído pela Lei 13.467, de 2017) (Vigência)”.

A regra é clara: no teletrabalho/home office, não há controle de jornada. A exceção é de que pode haver controle de jornada, desde que as partes assim negociem, pois meios de controle existem, apesar da CLT dispensar os trabalhadores remotos do controle de jornada. Aliás, o mercado já se instrumentalizou com softwares que possibilitam controles de jornadas no trabalho remoto.

Como se pode notar, o ordenamento jurídico trabalhista traz consideráveis mandamentos legais sobre como deve funcionar o teletrabalho no Brasil, não havendo, portanto, que se regulamentar algo que já está devidamente regulamentado.

Defendemos que se necessidade há de se regulamentar, detalhar as regras do teletrabalho que se faça via negociação coletiva, e não mediante leis estabelecendo regras gerais para todas as empresas, fulminando com o princípio do negociado sobre o legislado. Há de se seguir o princípio da isonomia, tratando desigualmente os desiguais, na medida da sua desigualdade, no que tange à capacidade econômica das empresas em arcar com custos das normas trabalhistas e, principalmente, tempos de pandemia.

Deputados, senadores e membros do Poder Judiciário, por exemplo, além de suas funções típicas, podem (e devem) desempenhar papéis como articuladores sociais, esclarecendo a sociedade a respeito das leis já existentes, e não estimulando a elaboração de mais normas e/ou o ajuizamento de ações.

Não há, portanto, de se regulamentar algo que já está devidamente regulamentado.

 

 

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