21/06/2025
Qual o papel do Marketplace no recolhimento de ICMS?
Aline Barandas - Sebold & Cazon Advogados
Com o avanço da tecnologia e a nova forma de mercado digital, a velha fórmula de tributação já não resolve todos os impasses que surgem. Os tributos sobre a relação de consumo que se dividiam entre a responsabilidade do vendedor e consumidor já se tornam obsoletos e, muitas vezes, sem aplicabilidade prática, quando nos deparamos com plataformas de vendas mundiais, que unem e cruzam diversas jurisdições.
Há alguns anos a OCDE vem se debruçando sobre o tema e tentando orientar formas de tributação para vendas no comércio eletrônico mundial, assim como serviços em nuvem e e-commerce, todavia, o desfecho não tem sido tão fácil, e nem todas as jurisdições mundiais têm acatado suas “guidelines” ou sequer legislado sobre o assunto.
Quando pensamos no ICMS – imposto estadual sobre a circulação de mercadorias e outros serviços não tributados pelo ISSQN, como o transporte, o cenário piora. Pois, além da legislação geral, cada Estado tem seu próprio regulamento e especificidades.
Ante a pulverização que se apresenta no mercado digital, com inúmeros anunciantes de diversos países vendendo para toda e qualquer localidade do Brasil por meio de plataformas digitais – os marketplaces, uma das alternativas do Fisco para não ter tolhido seu direito de arrecadação é levar, de alguma forma, a responsabilidade para essas plataformas, que seria o ponto de encontro (concentração) dos contribuintes de fato e de direito. Há países que já preveem a responsabilidade solidária ou subsidiária dessa figura. Todavia, a luz do ordenamento jurídico brasileiro, isso é correto?
Em solo brasileiro, já presenciamos autos de infração inserindo o marketplace como responsável solidário de ICMS, quando há inúmeras vendas para um único CPF. Então, o que era caracterizado como consumidor e fornecedor final, passa a figurar como nova operação de circulação de mercadorias com destino a revenda para o então consumidor final e há a incidência de tributação (ICMS) nessa operação também, com responsabilidade solidária de ambos, não só do fornecedor final.
Mas, a plataforma é fornecedora? Distribuidora? Mera intermediária?
Adiante, veremos melhor a importância de como defini-la, mas por hora, o que vemos aqui é o Fisco atribuindo à plataforma dever de fiscalização das operações realizadas por seus expositores. Se há ou não a emissão de notas fiscais, se é ou não venda final ou revenda.
Nosso objetivo com este texto não é tecer críticas, mas alertar à prática que vem ocorrendo de responsabilização dos marketsplace quanto ao recolhimento de ICMS nas operações que ocorrem por intermédio da própria plataforma.
A luz do art. 128 do Código Tributário Nacional, para haver responsabilidade solidária no pagamento do tributo, o agente deve ter vínculo com o fato gerador.
E é aqui que devemos nos debruçar. Qual é o papel da plataforma na operação de venda? Ou seja, qual sua natureza jurídica na relação cível que dá origem à ocorrência do fato gerador? É intermediadora? É depositária de informação? É meio de pagamento entre o vendedor e consumidor? É anunciante? Reserva de espaço com fins de publicidade? Tem papel de mandatário ou distribuidor?
Isso é importante, pois é essa natureza jurídica que irá determinar qual o vínculo (se existe) da plataforma digital com a ocorrência do fato gerador de ICMS, o que então justificaria sua responsabilidade com base no dispositivo legal acima mencionado.
Para Estados como Ceará, Bahia, Mato Grosso e Distrito Federal, o mero comércio por intermédio da plataforma digital já faz esse agente ser responsável solidário em caso de não recolhimento, sob o argumento que sua omissão em fiscalizar os vendedores contribui para o não recolhimento do tributo. A nosso ver, é uma aplicação distorcida do art. 5º da Lei Kandir, o qual permite a responsabilidade pelo pagamento do imposto atribuído a terceiros, quando o agente por atos ou omissões concorrer para o não recolhimento do tributo.
O que se vê na prática é o Estado transferindo para a plataforma digital o seu papel de dever de fiscalizar.
Há Estados que entendem que o vínculo com o fato gerador se dá pelo simples fato de expor esses anunciantes (vendedores), entendendo o marketplace como intermediário no mundo virtual, como faz as leis da Paraíba e Rio de Janeiro. Mesmo que a plataforma digital de comércio eletrônico não seja a vendedora, ou elo da corrente de fornecedores, responsabiliza-se um prestador de serviços pelo recolhimento de ICMS.
Por outro lado, o Estado de São Paulo, seguindo de certa forma as orientações da OCDE[1], entende que a responsabilidade do marketplace só passa a existir quando deixa de cooperar com o Fisco no processo de fiscalização, ou seja, não presta as informações requisitadas. Isso porque a obrigação do agente público tributante é identificar quem cometeu a infração tributárias, e não buscar um ponto facilitador de responsabilização para então receber o imposto devido.
Portanto, para que essa extensão de responsabilidade do marketplace na tributação do ICMS tenha espaço, seja subsidiária ou solidária, é mister entender como a plataforma influencia, trabalha para ocorrência do fato gerador, se ela cumpriu com as obrigações acessórias que lhe cabia. Não é simplesmente chamá-la de intermediadora e lhe atribuir dever solidário de recolhimento, que pela lei e sua melhor exegese não lhe cabe. Por isso, tanta atenção e cuidado nessa extensão de responsabilidade.
[1] A orientação da OCDE (na guideline 2021) é manter registros de informações fiscais por 10 anos.