18/08/2025
Coronavirus, revisão contratual e tribunais
Sebold & Cazon - Robson Sebold e Jéssica Mochi
Diante da pandemia causada pelo Coronavirus, observamos em muitos casos a aplicação da TEORIA DA IMPREVISÃO, da ONEROSIDADE EXCESSIVA, A PERDA DA BASE DO NEGÓCIO.
Precisas as lições de Pontes de Miranda a respeito do tema:
“O princípio de adimplir-se o que se prometeu exige que não se levem em conta os sacrifícios dos devedores. Deve, pague. Mas esse absolutismo levaria a soluções que destoam dos propósitos de adaptação social, que tem todo sistema jurídico.”[1]
Trata-se de forma de relativizar o princípio da pacta sunt servanda. Segundo o professor José Fernando Simão (no mesmo artigo acima citado):
“É uma ideia lógica e precisa: se o contrato nasceu com certa base objetiva, ou seja, determinadas circunstâncias circundantes, e tais circunstâncias se alteram por um fato imprevisível, o contrato pode ser resolvido ou revisto. Daí rebus (as coisas) sic (assim) stantibus (estando).”
O professor José Fernando Simão ainda propõe o reequilíbrio do contrato com base nos seguintes critérios: a) análise do lucro, diferindo essa parte; b) análise da capacidade econômica das partes, autorizando-se a postergação para a que tem condições de suportar; c) maior potencial de recuperação; d) não autoriza a moratória, mas o diferimento sem encargos de mora.
Não há dúvidas acerca da possibilidade de se revisar alguns contratos.
O Poder Judiciário, de modo a sanar as injustiças ocorridas e pensando no atual panorama, tem dado decisões humanas e brilhantes.
O Juiz Mario Chiuvite Júnior, da 22ª Vara Cível de São Paulo, nos autos nº 1027465-60.2020.8.26.0100, suspendeu por 90 dias, os pagamentos das prestações ajustadas em cédulas de crédito bancário entre um restaurante e uma instituição financeira, posto que ante pandemia do Coronavírus, a empresa teve que fechar suas portas, ficando sem faturamento.
As cédulas de crédito bancária perfazia o montante de R$ 3 milhões de reais, e mesmo assim teve a suspensão do pagamento:
Portanto, o autor, no vertente caso, deve ter suas obrigações assumidas anteriormente com a casa bancária suspensas por 90 dias, a partir da ciência desta decisão, bem como devem ser levantadas imediatamente as garantias prestadas nessa contratação, liberando-se ainda os recursos do autor mantidos no banco para haver a pronta manutenção do negócio do autor e dos direitos integrais de seus funcionários. Imperioso frisar, de conformidade com notícias divulgadas ultimamente em sites de notícias, no Brasil, de modo notório, pois, os bancos brasileiros têm assumido o compromisso de suspensão de financiamentos e de outras obrigações de seus clientes para permitir o enfrentamento da presente situação calamitosa que se instalou no Brasil e no mundo, evidenciando-se pertinente e razoável a adoção da presente medida.
Ante o acima exposto, a fim, mormente, de evitar perecimento de eventual direito da parte autora, forte no disposto no artigo 300 do CPC, defiro integralmente a tutela provisória de urgência antecipada para determinar imediatamente a suspensão temporária dos pagamentos das prestações ajustadas nas cédulas de crédito bancário objeto desta demanda, bem como para que seja determinada a imediata liberação do parte do banco-réu das garantias de recebíveis de cartão de crédito por 90 dias ( noventa dias ), compelindo o banco-réu a não perpetrar cobranças de multa e de encargos moratórios nesse período, além de determinar liminarmente e imediatamente que o banco-réu libere o valor de R$ 1.831.172,22 ( um milhão, oitocentos e trinta e um mil, cento e setenta e dois reais e vinte e dois centavos, tudo na forma de fls. 17-18 da inicial, relativo às aplicações financeiras de titularidade do autor, tudo sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 ( dez mil reais ) com espeque no disposto no artigo 537 do CPC, no sentido de permitir o pronto cumprimento pelo réu desta ordem judicial, sendo tal valor de multa razoável e proporcional, servindo a cópia desta decisão, assinada digitalmente, juntamente com a cópia da inicial e dos seus anexos, como mandado/ofício a ser instruída pelo autor ou seus advogados junto ao réu. (destaque nosso)
Em outro caso, desembargador Cesar Ciampolini, do TJ/SP, nos autos sob nº 2061905-74.2020.8.26.0000 de Agravo de Instrumento, concedeu a uma empresária a possibilidade do parcelamento de dívida referente à participação societária que adquiriu.
Alegou a empresária que em razão da pandemia de Covid-19 o prefeito de Assis, cidade onde está localizada sua empresa, determinou o fechamento do comércio não essencial, o que inclui sua loja, acarretando queda de faturamento, e consequentemente a deixou sem poder aquisitivo para continuar o pagamento das parcelas acordadas, sem prejuízo da empresa e de seus funcionários:
No presente caso, em sede de cognição sumária, a cabível neste momento processual, parece verossímil, então, que a restrição de funcionamento da casa de comércio, em razão da pandemia, tenha acarretado queda de faturamento e, consequentemente, a impossibilidade momentânea do pagamento das parcelas ajustadas no contrato de cessão de quotas. O contrato é de execução continuada, não é aleatório e as novas circunstâncias ultrapassam em muito o que razoavelmente se podia prever ao tempo do contrato, tendo sobrevindo com excessiva rapidez, atingindo não apenas a agravante, mas todos os contratos da mesma natureza, celebrados com análogas cláusulas.
É o caso, efetivamente, de aplicação da teoria da imprevisão.
Indo ao conteúdo da liminar, à vista do pedido formulado e das notícias públicas e notórias que se têm de paulatina retomada das atividades comerciais pelo progressista interior de São Paulo, parece-me suficiente, para amparo do direito da agravante, que o valor total das três parcelas indicadas (de abril, maio e junho deste ano), R$ 15.000,00, seja pago em dez prestações mensais, com primeiro vencimento em 15 dias após a publicação desta decisão, devidamente atualizado pelos índices da Tabela Prática deste Tribunal, conforme previsto no contrato (fl. 30, dos autos principais). (destaque nosso)
Ainda em outro caso, um escritório de advocacia conseguiu a redução do valor do aluguel até o mês de maio, levando-se em consideração situação econômica em meio à crise do coronavírus.
A decisão foi do desembargador Eustáquio de Castro, do TJDF, nos autos sob nº 0707596-27.2020.8.07.0000, de Agravo de Instrumento:
Em assim sendo, é evidente a redução da circulação de pessoas, do desinteresse delas em propor determinadas ações as quais podem ser postergadas para depois da Pandemia, atingindo em cheio escritórios de menor porte, diminuindo o fluxo de capital e inviabilizando o pagamento do valor cheio do aluguel.
[...]
Acredito ser adequada e equânime, portanto, ao menos neste juízo inicial de delibação, a redução do aluguel para o próprio valor apresentado pelo credor, mas estendendo tal redução para os meses de abril e maio, não apenas março, devendo eventual compensação, se existir, ser verificada apenas quando do julgamento do mérito, quando se terá maiores elementos para verificar as condições econômicas do locador.
A atuação, desta forma, ao menos para mim, diminui a tensão da relação entre as partes, considerada, sempre, a excepcionalidade do quadro mundial.
Diante do exposto, DEFIRO PARCIALMENTE o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal para reduzir o valor do aluguel pago pelo agravante de R$ 2.000,00 (dois mil reais) para R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais) mensais referente os meses de março, abril e maio de 2020 (destaque nosso).
[1] Tratado de direito privado. t. XXV. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 294 apud SIMÃO, José Fernando. “O contrato nos tempos da COVID-19”. Esqueçam a força maior e pensem na base do negócio.